A meretriz
M.V chegou à consulta com a aparência respeitável de uma médica de meia idade. Um pouco acima do peso, mas vestida com cuidado, me olhou por cima dos óculos de leitura e disparou a primeira coisa que me fez notar que ali estava uma pessoa com alguns problemas interessantes: “Dr.”— Disse — “Eu só não fiz sexo, ainda, pulando de para-quedas”; para completar descreveu-se como esnobe, orgulhosa e preconceituosa. Ao continuar o relato dos seus problemas vi que nos seus 56 anos de vida sempre teve problemas sérios de relacionamento, financeiros e comportamentais, além de uma fixação obsessiva em satisfazer-se sexualmente. Cheguei à conclusão que possivelmente sofria de transtorno de humor bipolar. Como era uma paciente muito instável findou não assumindo a terapia e a abandonou após a primeira regressão, mas essa foi deveras interessante e vou conta-la aqui, ou melhor, deixar que ela conte, como me contou na regressão.
“Sou uma mulher loira, jovem e bonita, de olhos castanhos, cabelos longos e encaracolados, uso adereços dourados e roupas caras, tenho na cabeça uma tiara dourada, meu vestido é longo e parece ser do século XVll ou XVIII. Estou numa taberna escura, pobre, de mesas simples, com pessoas feias e mal-vestidas. Tenho a impressão que pareço uma visão para elas. Eu era uma meretriz, vivia do dinheiro dos homens. Não gostava de estar ali, eu era melhor que aquele lugar, me sentia esnobe”.
Eu quis saber de sua vida antes dela chegar lá e perguntei-lhe. Ela voltou no tempo imediatamente e me fez esse relato: “ Vivia num sítio humilde, não gostava de lá nem dos pais que tinha, desde criança queria brilhar e ser rica. Com 15 anos comecei a ter vários amantes, os manipulava para conseguir dinheiro e poder, mas queria mais, queria arranjar alguém com mais dinheiro e poder. Minha vida foi só de festas, houveram muitas traições, engravidei várias vezes e fiz muitos abortos. Tive uma filha, mas não ligava pra ela, só me interessava o dinheiro e o poder, queria brilhar mais”.
O tempo pareceu demorar a passar-se naquela vida, M.V a medida que lhe perguntava ia me fazendo sempre o mesmo relato, de uma vida dedicada ao fútil e aos prazeres, sem nada de mais útil e profundo, sem real utilidade ou crescimento real para sua personalidade. Ao fim quando lhe perguntei como terminou sua vida lá ela me disse o seguinte: “A vida foi assim até ficar velha e feia, estava com 60 anos, pensava que no final não consegui o que queria, fiquei pobre e só, morando numa casa feia, mais pobre do que aquela em que comecei minha vida. Me sentia revoltada e humilhada…se não tivesse seguido aquele caminho podia ter tido uma vida melhor, se não fosse tão ligada a sexo, que gostava muito,assim como de dinheiro e poder. Fiquei doente, sentia solidão e pena de mim, pelas merdas que fiz na vida. Minha vida havia sido só joias, festas, roupas finas, camas de dossel. Somente prazer, noitadas, muito sexo, homens bonitos e ricos. Quis saber apenas de aproveitar o corpo e a beleza.
Morri daquele jeito, senti medo do que ia acontecer…e um enorme remorso pela vida desperdiçada. Tanto tempo perdido…culpa, remorso, estraguei a vida, não fiz nada que prestasse. Queria ver a luz, pedi ajuda aos espíritos superiores para sair daquela confusão e ser melhor. Só queria fugir daquela dor moral, procurei reconhecer meus erros para sair dali”.
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